POÉTICA COM ARTE ANALÓGICA

É verdade que não sei ainda como começar
o poema de cada vez que o começo; nem sei
como escrevê-lo, de cada vez que o
escrevo. É verdade que estou longe
dessa verdade essencial que está no fundo
de cada poema, como a semente
está longe da raiz, ou o fruto se afasta
do ramo na queda irreversível de cada novo
outono. As leis do verso, que
procuro à medida que a estrofe se vai
construindo, não são nunca evidentes; nem sei
como traduzir em linguagem lógica esse
ritmo que nasce e morre como as ondas, sob
o influxo das marés. Avanço, então, pela
areia das palavras até esse limite de
água em que os pés se afundam; e vejo,
quando recuo, que a espuma cobre os meus
traços. Também no poema, quando o termino,
aquilo que nele ficou de mim se desvanece sob
a música e o vento de uma voz subterrânea,
ou líquida; e o que fica, no fim, é
esse voo de aves marinhas sobre a baía,
o enegrecer das falésias com a tarde,
uma ressaca de inverno na beleza
melancólica do fim.

por Nuno Júdice

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